A contribuição do sistema de precedentes qualificados para a segurança jurídica
- Criado em 24/11/2021 Por JOCEMAR DA ROSA DOS REIS
Com a chegada do novo código de processo civil em 2015 inauguramos uma nova era no sistema processual brasileiro. Houveram importantes e necessárias alterações legislativas que vieram a sanar problemas verificados ao longo dos tempos na experiência brasileira. E um dos principais problemas enfrentados era a "bagunça" que havia no sistema decisório, a falta de uniformidade nas sentenças que se contradiziam mesmo se referindo a casos idênticos, gerando insegurança jurídica e descredito pelos jurisdicionados. A jurisprudência lotérica, assim chamada era um mal a ser combatido. Nesse sentido, eis que optaram os processualistas pela instituição de um sistema de precedentes obrigatórios. Tal importância desde então, do sistema de precedentes instituídos pelo CPC de 2015 é inegável.
O novo diploma processualista introduziu uma modificação bastante expressiva ao direito processual brasileiro aproximando de vez a cultura do civil law românico-germânica à cultura de comonn law anglo-saxão. Houve, desde a entrada em vigor do novo código, verdadeira consagração das decisões judiciais, aumentando sua força ante o direito escrito, elevando as decisões dos tribunais superiores e as súmulas dos tribunais inferiores a uma fonte de direito equivalente a lei. Em muitas hipóteses até superior ao que diz a lei, donde partem as críticas daqueles que não querem admitir esta confluência. Hipóteses essas que não param de surgir, basta acompanhar o número de casos que passaram a ser afetados a temas de repercussão geral do âmbito do Superior Tribunal de Justiça no período de um mês.
O motivo para a mudança trazida pelo CPC é bastante razoável, pois tem se um excessivo número na propositura de demandas no Brasil ( graças à cultura da litigiosidade e o acesso constitucional a justiça) o que gera o afogamento do judiciário. A protocolização de recursos em demasia com claro atraso para a efetividade da jurisdição, somada há uma grande insegurança jurídica gerada por decisões judiciais diametralmente opostas dos tribunais do país, entre câmaras de um mesmo tribunal e, por vezes, entre juízes de uma mesma comarca. Isso aponta para a sensatez e a racionalidade da normatização, ressaltando a enorme importância dos precedentes ora judiciais e agora denominados pelos gestores das cortes superiores de precedentes de qualificados. A temática, portanto, é importantíssima no contexto da jurisdição atual contemporânea.
Essa guinada em prol de um sistema de precedentes se deu a partir da Emenda C 45/2004 em que foram criadas, por exemplo, a sumula vinculante, que já diz um pouco sobre o sistema de precedentes, e que depois foi alforriado pelo novo CPC pela regência do ministro do STF Luiz Fux, que comandou os estudos para a aprovação do projeto que se tornou o nosso CPC atual. A partir daí o tema mostrou-se de uma repercussão jurídica e social muito grande.
Há firme entendimento que há muita produção doutrinária e acadêmica, e embora vasto material, contrasta com as pouquíssimas situações praticas resolvidas pela doutrina.
Na realidade, a principal aplicação dos precedentes consiste em permitir, de maneira direta e indireta, julgar enorme quantidade de casos análogos com base nos precedentes e assim tentar desafogar o poder judiciário, que sofreu grande impacto com o crescente volume de processos surgidos a partir da efetivação da garantia constitucional de acesso à justiça em conjunto com a cultura de litigiosidade presente na sociedade brasileira.
Por outro lado, a prevalência da tese vinculante sobre o entendimento pessoal do magistrado é medida que se impõe para que se consiga conferir a necessária segurança jurídica com a produção de decisões integras, conformes e eficazes. É um dos pontos na qual ainda não se está maduro na gestão dos precedentes: a dicotomia entre o livre convencimento do juiz e a ordem de aplicação da tese firmada pelo tribunal superior. O sistema de precedentes ainda é relativamente novo, estamos aprendendo a utilizá-lo enquanto está se julgando os processos, há uma resistência dos magistrados em abrir mão do entendimento pessoal em prol da prevalência da tese fixada em tribunal superior. O fato é que o precedente deve ser aplicado independentemente da opinião do julgador. Caso não seja possível realizar a distinção entre o precedente e o caso concreto –os métodos de superação e distinção- deverá o magistrado seguir a tese apesar de discordar da decisão. A devida ciência e compreensão das razões de decidir do precedente são essenciais para a correta apreciação dos casos submetidos a julgamento. É importante para o operador de direito, em especial o magistrado, ao aplicar a tese jurídica conhecer efetivamente as razões que levaram a corte superior a fixar a tese. Não basta se ater a tese que consta no sistema de jurisprudência, é preciso ter acesso a integra do acordão e saber as peculiaridades do caso concreto que fora separado como paradigma para a formação da tese jurídica para que se forme todo o convencimento das razões que levaram a tribunal a decidir de acordo com aquela orientação e poder aplicar no caso concreto.
Vive se hoje uma era de verticalização da justiça. Nesse sistema de precedentes é muito importante a compreensão e sólida aplicação do distinguish e do overrulling. Conceitos basilares e que vão exigir dos operadores muito esforça na tentativa de elaboração de um claro raciocínio logico-jurídico fundamentalizador.
Uma vez superados tais aspectos teórico-dogmáticos e hermenêuticos, face a constatação de que havia premente necessidade de dar uma solução normativa para a instabilidade decisória, foi a institucionalização de um sistema de precedentes adaptado as nossas necessidades tupiniquins, a aposta do legislador, cujos objetivos claramente visaram a busca de igualdade e segurança jurídica, importantes princípios pelos quais se embasaram.
Evidencia-se essencial a inserção de uma cadeira nas faculdades de direito para o estudo do precedente, a fim de se criar a cultura de precedentes a qual aludem os doutrinadores. É preciso saber lidar com um sistema que está se adaptando da common law e daí decorre a designação de “precedente a brasileira”, expressão cunhada pelo ilustre processualista Marinoni, e que precisou ser positivado para ser respeitado. É preciso se debruçar sobre os acórdãos proferidos para entender como se chegou até uma decisão. O próprio formador do precedente ainda não está preparado para aplica-lo. Ainda haverá muitas discussões nessa seara, cujas percepções vem a lume anualmente por ocasião da realização dos encontros nacionais de precedentes qualificados promovidos pelo STJ e que conta com a participação das mais altas autoridades do assunto.
Da vigência do CPC15 até aqui, percebeu-se muitos avanços, mas a projeção é que se levará ainda vários anos para a consolidação do movimento de precedentes em nossa cultura jurídica. Não tem sido tarefa fácil, o código é recente, porém os resultados obtidos até o presente demonstram que a escolha foi acertada e produzirá, ao longo do tempo, a segurança jurídica almejada e necessária.
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